quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Esperança Cética (Momentum)

*Republicado*






 Nossas preocupações se materializaram. Medo, dúvida, ignorância e rancor tomam de assalto os corações e mentes. Lembro que há uns meses, apreensivos, discorríamos cenário por cenário, apenas para assistirmos hoje, estupefatos, o desvelar da caixa de Pandora. Da besta fera então sentia -se o hálito podre, apenas.


 Tudo que prevíamos estava errado; a realidade é uma maçante e dura barra de ferro, removendo todos nossos dentes a um golpe (e sem anestesia). Então tínhamos a impressão que os homens de bem se pareavam em honrada comunhão, baluartes da moral e do bem servir ao reino, grassando as praças e jardins com suas armaduras douradas. Os domingos nunca foram tão belos, as famílias nunca antes tão plenas. Hoje as máscaras caíram, e vemos duendes, anões, punguistas e impostores ameaçando a paz e a ordem em troca de alguns trocados.


 Hoje os velhos não mais estão seguros em suas casas; o que impede de serem acossados como animais, ao romper da manhã? nem bem o galos incitam a mais uma jornada, os capitães do mato atiçam seus cães, sob aplausos ignaros da caravana cretina. Pois que é preciso trazer “a mudança”, alternância entre o velho e o novo, tal qual pêndulo invisível levando – nos adiante (para pouco depois nos devolver ao nosso devido lugar). Nisso Todos concordam, o que em si já serviria como sinal de alerta. Toda unanimidade é burra, e não sou eu quem o diz.



          
                                                                   *

  O alvoroço vem de cima. Criminosa queimada - fogueira de vaidades- e poderia soar como um grito de Prometeu revoltoso, mas não passa mesmo é de pura vilania. A agressão é urdida por travestidos tiranos trajando togas ou ternos. Em todas as cores, espectros (do azul ao vermelho) posam de heróis, por longe que passem disso. Nobres apenas de título, tais senhores, pastores, salivam de avidez e cobiça para retomar o rebanho o qual lhes foi tirado. Amalgamados monstros com cara de santos, mãos de rapina, garras de corvo, cauda de pavão.


 Ouço ranger de dentes, passos no forro. Rezo a um Deus que dizem ser um meu patrício; nunca o vi, nunca consigo conversei. Está morto, é o que dizem. ainda assim, desconfiado, rezo. Rezo e espero pelo pior. É um modo pessimista de ver as coisas, todavia, racional. É esse o meu método, e você pode chama – lo esperança cética.  Não faz diferença, pois só o que vejo e sinto é o que importa. O que é, não o que se fala. Eis que o que vejo não são mudanças; são variações de um mesmo tema. Um cabo de guerra onde os mais fracos relutam em se ajudar, mal acostumados em sua tenra subserviência... 

 Lamentos ocorrem alhures e algures, sinceros, amiúde. Sim, existe uma crise. Uma crise de honestidade. Falta nos sermos honestos e admitir que enquanto não formos um pelo outro, seremos, para sempre, um contra o outro.

*(Postado originalmente em esascetica.blogspot.com.br a 20/03/16)


sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

A vida irrita a arte

Fitter Happier by Radiohead on Grooveshark



 

http://aprendendosobreouniverso.blogspot.com.br/2013/12/sagittarius-b2-nuvem-de-alcool.html


"A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro", disse o homem cujo whisky era seu melhor amigo 







   No começo há dor como numa gastrite. Arde um pouco, incomoda mas a gente acaba se acostumando. Só que a coisa vai crescendo, crescendo, florescendo, como um câncer. Engraçado! A vida é como um câncer que nos mata de tanto crescer. Morremos de tanto viver. Maldita vida, tão bela e miserável, 
 tão cheia de vida e tão apontada pra morte, seu último e único alvo, que impressiona acabar assim, de repente. Não, mais que de repente. E é por isso que bebo.




***


    Bebo a vida pra engoli - la tal qual um dia a terra há de fazer comigo.  Dia em que enfim serei útil e me hei de tornar adubo, esterco, merda que é a vida, quente e úmida. Prenhe de tudo que é sujo e belo, do que foi e do que há de ser. Hidrôgenio, carbono, nitrato, a vida que abunda em tudo e vem de eras infinitas, das entranhas das estrelas, do cosmo, feitas de luz e bosta. Em tudo há os mesmos elementos, esculpidos a bósson de higgs e magia, ignorância nossa que acreditamos em tudo que nos dizem as religiões, os jornais e o Discovery Chanel. Maldito seja Darwin. 




   E é por isso que eu fumo. Pra trazer na boca o gosto de cinza e pó do que somos na  realidade, aspirar a divindade indivisível que a tudo circunda e alimentar minha cálida, digo, morna, vida, digo, Câncer. Trago a trago, dia após dia, maldito seja o calendário gregoriano e seus meses intermináveis.


  Maldito seja o cristianismo, maldita a 7x7, esse 3x 4 da minha insatisfação proletária e madura, que me estampa ao rosto a mácula do quando e onde nasci, maldita minha insatisfação pueril de a   tudo imputar uma culpa pra além de meus atos e aspirações. Maldito seja o homem e maldita a mulher, maldito tudo que nos congrega enquanto degredados filhos de uma velha cadela. 


Maldita seja a cadeia alimentar onde estamos abaixo apenas dos vermes. Maldita arte de reclamar de tudo e de acordar no dia seguinte, ressaca nebulosa, querendo ainda mais e mais. Por fim, maldita folha em branco onde dessangro e disfarço tudo que não me pertence, e por isso devolvo a quem interessar possa. Maldito seja o dia em que folha em branco deixei de ser, para ser apenas um borrão derramado sobre o espaço prometido, palestina de papel.


                                            Como no princípio, agora e sempre.



sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Salto de fé (Zero - nove barra dez)







 - Você parece triste - disse ela com ar sereno porém solene.
- Estou sempre triste - respondeu com o olhar vazio de quem traz o mundo nas costas e o coração na garganta. Nas mãos fiava um rosário das conchas de Dona Janaína. Trazia ao pescoço um colar de algas, umas mais finas, outras mais grossas. Todas mortas como ele só.


 Longe as gaivotas cavalgavam destrambelhadamente o rosa baço do céu. Feito  marinheiros bêbados, suingavam maneiras e aparvalhadas nos veios do vento. Sempre venta muito em Vitória nessa época do ano.


 Mirando as pedras do assoalho, resignado e por fim em paz estava o  velho palhaço. A barriga inchada e os pés muito largos afastados em "dez pras duas". Há tempos não sabia o que era fazer sorrir, mas dele achou graça  a Rainha das águas. Era no intervalo do buzinar incessante que vinha do carro parado alguns metros para lá que se dava a arrastada conversação:


 -Você costumava ser tão vibrante, tão mais votivo. O que passa, filho?
-São os dias, se ajuntando em meus bolsos como grãos secos da areia. Cada um é cada qual. Ainda assim parecem tão iguais... Só sei que se amontoam sem mais e me pesam, me pesam... 


 Trazia de fato um semblante esgotado. Nele, as linhas de expressão desenhavam histórias e mais histórias, arredias lembranças, quem sabe nem tão doces quanto agora rememorava. Ainda assim guardavam todas sua delícia e/ou revés, como não podia deixar de ser.


 Acima deles a ponte jazia na estagnada resiliência de sempre. Luzes pulsavam um ritmo monótono, entrecortado de estática e maresia - movimento cotidiano daqueles planaltos, a bem da verdade. Já quase ninguém repara tal espetáculo. Tomando Iemanjá pela mão, os olhos do moço brilham escuros e opacos enquanto lhe afaga a face a Deusa. 

 -Muito obrigado por tudo que me trouxeste. Por tudo que hoje me habita e por tudo que ora virá. Sou feliz por te encontrar. De fato, sou feliz porque você existe.
Tocada ante tanta entrega, tanta desídia, sua pele morena chega a arrepiar quando responde c'a voz embargada de orgulho e sal:

-Não por isso, meu Narciso. Não por isso. 



quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Cada qual em sua mesa, em uma péssima escrita.



                                                   
                                                        "remova seu produto, por favor"
                                              

Essa história de sensível sentimental é conversa fiada, esbravejou Alcides.
Me conta uma história boa, esbravejou Arlindo.
Você tem história, esbravejou Abel.
Só sobre você, esbravejou Beatriz.
Não te dei mole, ressaltou Beatriz.
Abel coloca sua pança rígida para fora dos botões quase quebrados, diz pra escutar a melodia da paródia insana que está por trás das cortinas. Ele situa seus medos nos lugares certos. Abel carrega culpa, entre outras coisas, pela barriga, cerne da bagagem que carrega de bons e maus tempos. Abel está solto quando seus botões estão despregados, obrigar Abel a sentir completude seria impossível, não há congruência. São sensações divergentes, abarcadas em valas sem significância alguma pra ninguém. Abel se cala.
Ver o sol entrar ali me causa asco, quase soletra Beatriz.
Abel resmunga por dentro, inalterada face, assim como jogadores de poker. Não alcanço, não adianta, resmunga Abel.
A pessoa mais interessante do mundo se tornou meu próprio umbigo,

Todos da mesa disseram ao mesmo tempo.

domingo, 21 de setembro de 2014

Cônscio

Terpsichore - Jean-Marc Nattier
Loveology by Regina Spektor on Grooveshark

Apesar de você.

Nessa história de tentar ser feliz, o coração bate por sorte. Sofre um bocado na mão do destino que sempre deixa crescer as unhas para nos cutucar as feridas. O meu, coitado, no mais breve e desventurado instante se viu escolhendo a cor do esmalte.
Saudade, errei o teu nome pelo dela! Aquela nostálgica e avessa a rotina, que me enruga a testa no inesperado e que me amolece os ombros no fracasso. Tem o medo amordaçado no porão e a liberdade no quintal, lá fora. Ela é Midas que toca na alma, o abraço seguro no pior dos tropeços, o gole mais ébrio do dia maçante, o riso mais frouxo no mais tenso dos momentos. É piada sem barreiras morais, desespero que alcança socorro, é convite para noites das quais o gozo tem mais gosto de gozo.
Ela é a segurança de um sono profundo, meu passo que não olha pro chão, o tempo que nos espia da janela e atrasa os segundos, é vilã e heroína de um filme que não sai de cartaz no meu peito.
Aquilo que se esquece não precisou existir. E assim você vai existindo. Pelo meu último suspiro, pelo sorriso guardado para um retorno teu.

Ao pesar de você.


segunda-feira, 7 de julho de 2014

Niilismo Miguxo

Quadrado branco sobre fundo branco - Kazimir Malevich

Viva a falta de sentido na busca do sentido (Woody Allen)

Tudo é revogado em nome do porquê?. O fato, de não se saber, talvez seja a resposta - Não sei.
O vazio da existência assusta. Escondemos o medo da autoconsciência em filosofias, ciências, religiões... (aspartame para o gosto amargo na boca). Criamos nossos próprios sentidos à beira da loucura - loucura essa dentro de uma abstração; inexistente, pois seu limiar está dentro de uma convenção tão rasa quanto a própria sanidade.
O amor é sublimado como a resposta cabal ao inimigo invisível, o irremediável. Amor de um verbo não defectivo, conjugado em todos os tempos e modos, é reinvenção romanesca (amor do amor), mas com o porém da sua finitude - Eu te amei!
A morte, dona do último bocado e dos calçados virados, é o nada contemplado da gelada varanda. É que toda a diferença já feita na história da humanidade tropeça nesse abismo: a conclusão - o tempo brinca pouco no cosmos quando a morte é mãe.
Inconscientemente sábios, os mais parvos constroem universos com uma mão nas costas. E os que excedem - limitando-se além - se esquecem em suas próprias alquimias.
Abnegamos a percepção de estarmos sós - acalantar-se no colo da semelhança - para agradecer a um mito todos os dias por termos uma vida menos medíocre que a do vizinho.
Em virtude desta nossa individualidade coletiva, somos inimigos de nós mesmos. E a evolução no conflito não ocorre, pois a erística sobeja.

A ordem é a roupa escolhida pelo caos para sair.


Sombra




   Quem é você que pousou por um instante aqui, como uma alma sombreando um lugar esquecido, pouco habitado depois da morte daquela senhora, eivado de injúrias e tratados sem conclusão. Eis que os dentes brancos, apesar do cigarro, não perdem o poder de atrair, estavam todos eles unidos e bem calcificados, mas será, assim como esta copa do mundo no Brasil, um misto de sentimentos e uma onda metafísica que não consigo deixar de gostar, ao ver todos aqueles dentes, que formam uma bela arcada dentária, quando se postou, após o abrir das cortinas, não consegui, apenas me rendi.

Todo o movimento bêbado daquela menina, não entendia o possível significado maltratado da vida em um flerte, não poderia crer que aqueles olhos seriam muito mais vivos do que pareciam. Tendo em vista todo o conluio mundial em torno de coisas fúteis, não acreditava que poderia discorrer sobre a vida com aquele sorriso, imóvel, enquanto a boca se movimenta.

Mas como tudo é descontinuo, tudo é admirável mundo novo, por tudo, não consigo agitar para explodir em algum lar verdadeiro e harmônico, este é o tempo que não desejo conceber por você, indago o valor social, o que lhe faz vivo, e não estará por entre essas frestas por onde vejo seu âmago entreolhar-me em claustrofóbico aperto; mas passa, passa rápido… e eu não saberei quem é você em um próximo passo, eu passo. Com amargo deixado, não passa de uma sombra.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Pemba







 O poeta pega o fogo ca mão firme de quem mexe num vespeiro. Bota toda a fé na dúvida.
Diante de si, duas velas. O fogo na mão, toca: uma pra Deus, outra pro Diabo. Quanto vento aguenta essa vela, quanta tensão!?


 Quanto ardor cabe num peito onde vagueiam mil amores amiúde, vadios amores a granel? Aqui não cabem senão sentimentos (ainda que mal idenificados, em suja essência). O ceticismo é bom companheiro do coração vazio.


Que urre, brade, brahme. Solte as amarras do Self. Vibre, vire, goze. Até o verme ama. Não se culpe, não há desculpa nem há proteção. Mas principalmente, nunca é alto o preço.



 Se mente, o poeta? Mente, deveras, que sente. Mas há mentiras táo belas que juro por deus, quisera, verdade fossem.





                                                                             *    *    *





"Eis que sou um buscador


daquilo que em mim se encerra


Morro lento, quando, em terra


mais fundo a raiz me alcança, meu amor


Pois que sou um buscador


de tudo quanto já tenho


Se mais se me aperta o cenho


é a força, a Nau que treme em teu derradeiro apreço, estertor."






                                                                       *    *    *



 O poeta pena, ácido em sua doçura, mais belo em sua amargura (qual fosse um sabiá) e a todos que toca fere. Tudo que toca, inflama. Incha. Expurga. Vive de inspiração, que assim é feita a poesia.

De fora pra dentro.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Os motivos

Como essas fontes um dia jorraram? - vocês não entenderam jamais.

                                              .

Como essas fontes que um dia jorraram? não entenderam jamais. O asco do muco sujo, de canto da boca; mais forte que o ódio dos homofóbicos, mais tolo que os amantes misóginos, mais sínico que a relação empregado e empregador, mais inflamado que o meu dente ciso. Eis que tal forças mórbidas concentradas não mensuram o que foi sentido, não projetam mais meu tempo em escrita-vício, talvez por não acreditar em maturidade, talvez por tristeza ter aplacado a melancolia, talvez ter a vida em tons pastéis por tempo indeterminado contornaram esses momentos, talvez por escrever sem mostrar nada novo, que seja uma raiva nova. “Enquanto estava defecando, pensei que por meio desta carta singela, pudesse musicar meus sentimentos em seus pensamentos vagos, com letras suavemente borradas, sublinhadas, Amor.” É, poeta… tragado mais uma vez por sentenças pobres e palavras opacas.

A mesma, sempre a mesma variante de opressor e oprimido, isto se repete, por isso, e só por isso, por saber que um dia esses desejos serão vividos, e com prazer serão cumpridos, em um ambiente totalitário, estamos vivos. Por toda essa irritação em tons pastéis, eu me repito mais uma vez, mais uma vez me repito, Amor. Eu entendo, tudo isso é simbólico, toda motivação é caótica e incontrolável; como sua vontade de cozinhar para alguém, como sua sede por ver sorriso e por isso fazer piada, como jogar videogame, buscar música, como pintar quadros, ouvir música, como fumar e enquanto conversa com os amigos, como viajar para arraial, como dirigir em estrada; como ler e ver coisas belas ou sujas, mas verdadeiras. É motivo, como tudo nesta vida, como dizia Roberto Freire, sem tesão não há solução.

O bem adaptado cidadão, o que escreve sem razão, o que escreve pois será pago ou será metido, a transcrição comovida pelo nada; fome de viver curada com culpa. Enquadrado.
No oposto disto, vem o malandro inquieto. Sempre inquieto, ele é o alvo carregado de pesos dos acontecimentos. Acabou a alegria, mas dar-se inicio motivado, do combate ao gozo por viver.
Ele sempre tira um sarro. Ele é jovem.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Idílico e racional




"E o dos sentimentos os alimentam"




  As vezes, fechando meus olhos, não creio que possa de novo abri – los. Não vejo senão escuridão, quando c`olhar voltado pra dentro. Tornei – me incapaz de enxergar sem holofotes, inepto que estou em conceber imagens. E a culpa, mais uma vez, não é minha. Meu mundo me faz como sou.
  
  Não detenho de meios de criar metáforas; meu peito é improdutivo latifúndio de qualquer abstração possível e imaginável A culpa, desconfio com a exatidão clínica dum Descartes, é do mundo lá fora. 97% de certeza – pois que uma certeza absoluta seria por demais arrogante.



               
                                                                          *  *  *




  Noite densa. Nit, essa matéria primordial e escura, medo quase palpável. Cerva viva a limitar nossos ancestrais mais primevos, ainda é memória fresca, aviso claro às crianças que enxergam naquilo que não podem ver motivo de desespero. Dor pré-concebida, onde só a dor se pode gerar. Lar de toda obscuridade, fé naquilo que se sabe perdido.  Carecem dum auxílio que lhes venha num facho de luz qualquer.

   Assim sendo, o sentido da visão acabou sendo ao homem sábio tal e qual uma muleta a nos enfraquecer os demais. O homem urbanóide não encontra mais uso ao olfato, paladar, ou, mais grave, tato.Enxerga apenas e crê cego no que vê, passivo a ponto de não saber olhar, quando de olhos fechados.Se não lhes vem prontas, montadas, as imagens não lhes brotam de lugar algum. Inverbalizado, não sai de dentro. Não pode colher o imaginário mágico contido na palavra, meio, fim e definição em si mesma.
  
Mas são felizes e cantam e dançam, sábios e tolos indistintamente, e de suas cavernas (embora já longe da pré – história) não adivinham haver qualquer dano. Não que de fato haja. Assim vivem prenhes do que é raso, razoavelmente todos iguais. Como se pudessem de fato se – lo.

  Os que vivemos resguardados no calor das luzes artificiais, perdemos com o tempo a noção de quão escura e solene é a aterradora beleza da noite. E o quão pequenos somos ante nossas própria impotência e ignorância. 



            "O sentimento é abstrato, substrato da palavra. A palavra, concreto armado. Matéria prima de toda poesia."


terça-feira, 1 de abril de 2014

Carta pára.




Títulos e afirmações lhe parecem peculiar, não te entendo quando foges aos objetivos simples, também não entendo quando precisas disso para auto estimar. Quanto ao passado, também não entendo. Não entendo o frenesi que traz você até aqui. Não compreendo o porquê de ser assim, assim como não prezo pela forma tacanha que se refere a mim.  Sabes que não me conheces a ponto de ser meu amigo, sabes que é apenas um parente quase consanguíneo, por que finges gostar ou desgostar? Talvez prefira viver assim, preso, ancorado ao fundo insólito das conveniências, tão comum quanto o ar.


Apenas palavras, essas eu retornarei em breve. Quando está humilde, sensação de ser humilde, essa sempre parece ser tão enfadonha. Apesar de velho, quero o mundo encalhado na palma do celular, nunca precisarei sair daqui, nunca nessa vida. Este é o meu significado, apesar de viver na bolha que eu mesmo construí; longe disto, quero ainda uma nova ditadura, uma nova ditadura militar, daquelas que eu teria que me orgulhar, pois não penso, não vivo e não escrevo nada. Sou velho, e este é o meu último pedido.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Tempo nos amores vagam.





Quando Zé encontrou Maria o mundo já não era tão simples, a ordem não estava sobre a mesa e as informações eram tantas que a menção em refletir era apenas um momento de escapar. Quanto custa estar ao seu lado, pensa Zé; o amargo dissabor de flutuar sob holofotes das diferenças e contrastes que os padrões podem causar. O músculo que rompe essa condição é o mesmo que o torna motivado a tentar e testar. Zé, por vezes pego pela agonia das perdas de outrora, envolvido pelo gozo da perspectiva, a espera paciente e ingênua da pulsante energia insurgente em suas letras, encontra o que nelas refletem o nirvana, ressurgindo no bem estar de viver. Tomaria várias cervejas com você, pensa Zé. Tão simples quanto o nome de ambos, paradoxal ao universo que habitam, eis que emerge o natural e inequívoco sentimento, ambíguo como bem e mal (Nietzsche) tomando posse do homem: Amor.


                                                                             .......................


Passaram-se tempos


- Quando me descobri magro, me descobri opaco, com suas formas perdidas, seus voos desastres. Antes de começar a me repetir, começo a me iniciar no pleonasmo, como prova de meu amor por você, como tal clichê. Quando me via em ti, pedia o chão, pois o que mais queria era ter o reinicio constante desta torpe paixão. Nos momentos sitiados pela incerteza, vislumbro o porto seguro do seu coração; mas o gozo chegou ao fim. Inicio minha casa, eterno recomeço, todos os caminhos dão no almoço e jantar; ao acordar, ao estudar e labutar. Torto sentido de estar, tosco modo de estarem, todos partindo daqui, todos com custo de vida, todos com peso do mar, todos perdidos sobre morte, todos revisam a parcela da dor e pulsam regendo o pavio aceso a queimar.



segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Paralelas






                                                                                                         
-Então você fala em reciprocidade?
-Absolutamente. As pessoas não são iguais, ponto pacífico.
-Mas todo homem nasce livre...
-Todo homem nasce preso a um Estado e a um status de sexo, Cep, credo,
classe, fenótipo...
-Muito me assombra que você fale em seres humanos melhores que os outros.
Digo, isso é - Tapo sua boca secamente com um olhar de reprovo
-Não. Não falo em melhor ou pior. Diferentes. Não se pode comparar o que é
diferente.

O silêncio constrangedor inunda a sala como se as geleiras eternas do
Ártico derretessem de súbito. São vinte anos comendo no mesmo restaurante.
Vinte anos é muito tempo. Ainda  sem graça, ele faz um gesto ao garçom.

-Sempre achei que você estivesse numa de pacifista, de bem com o
Mundo e sempre de peito aberto - retoma o assunto entre goles do recém chegado 
conhaque. São vinte anos de vida conjunta, e ainda assim as vezes é como se comer com um estranho.

-Tente manter o peito aberto o tempo todo. Veremos quanta estocada consegue aturar.
Oh, claro. Não feche demais a guarda, campeão. Uma ou outra porrada te ajudam a 
amaciar a carne, e pode ser até que seja surpreendido com um ou outro abraço.

-Clinch.

-Como?

-Chama - se clinch, esse abraço. Não passa de uma manobra para ganhar tempo e cansar
o adversário.

Dessa vez sou eu no canto.  O próprio Ali, grande o bastante pra ser o maior, já se viu derrotado um dia, uma abelha já cansada demais para ferrar. O mesmo passou - se com Foreman, com 
Frazier, nossa! Mesmo Tysson com toda sua ira um dia se tornou obsoleto. Como acabou acontecendo, aliás com o próprio esporte.

-O pugilismo já não presta mais pro mundo de hoje - atalhou como que lendo minha mente. Também pudera. Cúmplices de tanto tempo...

-Não é violento o bastante, verdade? Não depois do Vale tudo. 

-MMA é como chamam hoje em dia. Não que um nome vá mudar muito as coisas, heim?

Rimos satisfeitos por ainda concordar com algo. A primeira vez aquela noite. De todas as evidências, a certeza de que a intimidade de sempre e o carinho de ambos seguia incansável pela longa e sinuosa estrada. Estrada essa seguida a passos lentos, os olhos mais e mais cansados e gentilmente cultivadas as perenes dores de estômago.

É quando a porta do restaurante faz tilintar o pequeno sino. As poucas quatro, cinco almas do escuro lugar se viram pra recepcionar esse visitante recém chegado do frio mundo exterior, que ora se acaba em chuva. 
Canivetes, chovendo canivetes. Os feliz cansaço agora se reparte em três. Allan, o garçom, traz o copo num automatismo prenhe de ensaiada cortesia. Sabe que essa noite será longa, e a gorjeta, por pouca, ainda assim pingará.

-Como vão as senhoras? - Diz, com aquele risinho cínico e o cigarro entre os dentes. Apalpa os bolsos em busca de fogo, como se a essa altura chama ainda houvesse que a nós acalantasse. Bom, de todos ele sempre foi o mais patusco, espírito
mais juvenil, como fosse assim um Bute. É isso, uma entidade sempre pronta a rir de você com a graça e frescor de um Marlboro de menta e arsênico. Antes que ache o isqueiro, qual Prometeu, lhe acendo o cigarro e com a confiança que nos rendeu uma vida conjunta regada no álcool, pego um pra mim de seu maço. 
Como agrada ver lugares que resistem as mudanças de um mundo que nos morre pra renascer mais careta e certinho, ascético e hipócrita. Não é em qualquer lugar fechado que se pode fumar hoje em dia. OK, ninguém frequenta mais o velho Tony's. E é por isso que o amamos tanto.

Trago a fumaça fundo como um suspiro e retomo a discussão, feliz por estar mais uma vez com vinte e poucos anos:

-Falávamos da amabilidade humana, do MMA
-De sanduicheiras populares, de fornos para a massa
-Da boa vontade Universal, lembra? Onde cada um cuida do próprio cu? onde gente feliz não enche o saco?
-Porra, Zé! Você é sempre tão romântico!




 

domingo, 26 de janeiro de 2014

A Morte de Votric Sunen - Capítulo 2


(A Morte de Votric Sunen - Capítulo 1? Aqui)

Votric, ainda perplexo pelo que acaba de acontecer, agradecendo o fortuito destino daquela bala, calcula a trajetória do projétil numa velocidade incrível - talento adquirido na academia - e consegue ver uma misteriosa silhueta - dada a posição do sol, não mais que isso - numa janela de um apartamento defronte ao prédio onde por pouco morre, não fosse a água em seu ouvido.

O presto Votric se pôs a perseguir aquela ameaça enigmática subindo as escadas do prédio na expectativa de ir de encontro ao atirador. No meio do caminho o ex-investigador sentiu a idade e começa a diminuir a velocidade, arquejando, em busca de um ar que parecia não estar ali. Frustrado e fadigado, chega ao andar onde viu a criatura. Saca seu revólver com as mãos trêmulas - resquícios ainda dos lances de escadas - e arromba a porta com o pé.

A sala, ou melhor, o loft onde Sunen se vê é um tanto quanto mórbido: uma luz vermelha bem fraca, as paredes negras cheias de recortes de jornais e fotos que pela pouca iluminação não conseguiu ver ao certo sobre o que eram. Havia também uns equipamentos de musculação, um saco de pancadas que parecia ter sido usado de forma contumaz, uma cama bem rústica, sem lençóis ou travesseiros, e um telefone. Votric levou três segundos para perceber todos os elementos da cena. E três segundos foi o exato tempo que levou para um homem se postar atrás dele. O ex-investigador sentiu apenas o cano em sua nuca da arma ainda morna do tiro que cuspiu agora pouco:

- Largue sua arma! - disse o homem em tom calmo, mas um tanto quanto intimidador.

- Calma, estou largando! - disse Votric, deixando o seu .38 no chão, percebendo a seriedade da situação.

- Vire-se, devagar!

Votric, virando-se lentamente, foi dando forma àquela silhueta de outrora que tentou lhe privar da vida. Era um jovem robusto, de cabeça raspada, com os olhos cheios de ódio, mas misteriosamente familiares para o nosso protagonista.

- Você finalmente morrerá por tudo o que fez, seu desgraçado! - as palavras do rapaz entraram nos ouvidos de Sunen como um alarme ativando o agente adormecido dentro de si. Votric, em tal caso, tinha duas opções, tendo em vista que se atracar com aquele homenzarrão não resultaria em nada que não fosse sua morte:

A primeira era a técnica da "Retaguarda Invisível". Uma estratégia com 50% de êxito. A tática se resume em olhar para detrás do seu agressor como se alguém realmente estivesse ali e gritar "Atira nele logo!" ou qualquer outro comando desses de atacar. Isso faria com que o inimigo se virasse para se certificar dessa possível existência salvadora, possibilitando uma investida sem tempo de um contra-ataque. Mas o ex-investigador não creditou essa alternativa, pois viu nos olhos do rapaz a obstinação e sabia que ele não acreditaria naquilo.

Então, apelou para a segunda opção, a psicológica, a "Bandido da Mamãe". Uma técnica com 80% de êxito quando usada nas condições certas. Consiste em gritar uma ordem com uma voz mais aguda, fazendo com que o agressor remeta por memória sonora aos seus tempos de infância onde uma matriarca rígida - seja a mãe, avó ou seja uma freira num orfanato - castigava o mesmo por ser uma criança teimosa. Gerando assim uma reação involuntária de parar o que se está fazendo instantaneamente. Uma técnica aprendida nas aulas de combate freudiano no seu tempo de investigador:

- Pare já com isso, moleque! - foi o que Votric gritou, quase que sem esperanças por nunca ter usado em campo tal tática. Mas, de repente, como que por milagre, como se o jovem tivesse tomado um choque elétrico, a arma escapa de seus dedos indo parar no chão.  Sunen sempre achou Freud um compulsivo sexual em suas aulas de psicanálise na faculdade. Mas a partir daquele momento era seu novo deus, aquele psicanalista tarado. "Masturbar-me-ei quando chegar em casa como prece", pensou. Aproveitando o ensejo, Sunen pega sua arma de volta se jogando ao chão, e dali mesmo dispara contra o "bandido da mamãe", atingindo seu peito, causando uma morte quase instantânea. Ele não queria fazer aquilo, mas não via outra alternativa.

Como investigador que sempre foi, começou então a investigar a sala à procura de pistas que o levassem ao seu arqui-inimigo Nolen Danrami. Já não sentia remorso por matar, por consequência do número de vezes que isso se repetiu. Percebeu que as fotos e os recortes de jornais eram todos relacionados à Nolen, ele próprio e ao evento que gerou a morte de Kasmen Lasvi, sua falecida esposa. Ainda atônito, enquanto tentava juntar tudo isso em sua cabeça, repentinamente o telefone naquele apartamento tenebroso tocou. E Votric atende:

- Quem é?

- Ora ora! Se é você quem está atendendo, então devo presumir que o homem que morava aí esteja morto, certo? - Votric Sunen sabia muito bem de quem era aquela voz. A voz que ele estava procurando ouvir: Nolan Danrami.

- Sim, ele está morto! Sua tentativa de me matar falhou, Nolen! E era tudo mentira sobre as bombas, não era?

- Hehe! Eu tinha de chamar a sua atenção de alguma forma. E quem disse que eu queria te matar, meu caro Votric? Este é o meu presente de Natal para ti. Você está exatamente onde e como eu queria que estivesse. A lei do homem mais uma vez se fez valer, dando prova de que estou certo em dizer que não estamos no topo de nada. Somos animais tentando se equilibrar em duas pernas e pensar. Mas não pensamos, Votric. Nos fazemos dos mesmos instintos de sobrevivência como qualquer outro animal. Mas é pior, pois regemos isso com voz e violência intencional e gratuita. Tudo isso para nos mantermos vivos, Votric! Estamos olhando para os reis em nossos umbigos e não percebendo que seremos rês de algo maior que virá...

- Deixa de falácia, Nolan! - interrompe o ex-investigador - Eu estou farto dessa tua filosofia barata de ímpio perante a humani...

- E se eu te disser uma coisa que fará você mudar as suas convicções, Sunen? - dessa vez quem interrompe é Nolen Danrami - Se eu te disser uma coisa que fará com que você finalmente concorde comigo?

- Não acredito que isso possa ser possível, Nolen!

- Mesmo se eu te disser que você acabou de matar o teu próprio filho?

(Continua...)

domingo, 15 de dezembro de 2013

Dos


Dos desnudos - Oskar Kokoschka

A ela, como se fosse aurora

Certo dia ela chegou em casa batendo as portas, queixando-se das conversas de ponto de ônibus. E só eu sei como ela odeia conversas de ponto de ônibus. É que sempre fica a tensão de que as mesmas podem ser bruscamente interrompidas, a qualquer momento, quando o ônibus chega. E as melhores partes invariavelmente ficam para a próxima, perdidas no tempo até um possível outro encontro. Por muitas vezes ficou sem saber do final das histórias contadas:
- Porra! Como eu odeio conversas de ponto de ônibus. Fiquei sem saber como o fulano (não lembro qual foi o nome que ela disse) se livrou de suas crises de ansiedade.
- Mas que merda, meu bem! Logo as crises de ansiedade que você tanto combate? Tenho um pronome de tratamento digno para o acaso: Filho da puta! - Exclamei.
- É, ele realmente é um belo filho da puta - disse ela com aquele bendito sorriso que só eu sabia por em seu rosto.
- Me abrace! - Pedido dela mais que outorgado por mim. Ratificado em nome de anjos caídos na noite aquecida por seus vícios. Reconheceria de olhos vendados aquele abraço. Não só por suas formas sinuosas e seu olor, mas essencialmente, pelo coração que batia tão forte quando de encontro ao meu que parecia esmurrar-me o peito como quem avisa o que existe alí.
É, ela era desse jeito. Quando a vi pela primeira vez, completamente embriagada numa mesa de bar, discutindo ferrenhamente sobre possíveis interpretações do que disseram seus heróis; eu, livre de qualquer preconceito analítico, à luz daquele ébrio olhar, senti minh'alma alforriada em seu brado mais ressoante, ecoando por cada quark do meu corpo num proselitismo mais que persuasivo. Desde então era ela, deus ex machina; a solução inesperada. O porquê enfim da minha história. Sine qua non da minha existência.
- Te amo! - ela me dizia. Dizia não, proclamava.
- Pfff! Amor? O amor está fazendo postdoc para entender isso aqui. - era o que eu respondia. E como sei que gostava disso...
E todos os dias eram assim, apesar dos soluços. Um susto bobo, um copo d'água. O caos era mais um caminho.
Entre( )tanto, como um sonho ela se foi, deixando aquele gosto amargo na boca junto a uma ereção matinal.

(...)

- Opa! Mas espere aí! Como assim ela se foi? O que aconteceu?
- Meu ônibus chegou. Fica pra próxima o fim desta...


http://eumechamoantonio.tumblr.com/

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Pílula da Felicidade (ou ''Quando aprender a não julgar, aí então serei perfeito")







Pegue a sua verdade e remoa. Mastigue, engula e se entupa de verdade. 
Rumine.Regurgite.Vomite sua verdade. 
E passe adiante. 

Pegue então a verdade que te chegue. Repita cuidadosa e pacientemente 
todo o processo:
Mastigue 
Engula 
Se entupa. 
Rumine.
Regurgite.



Vomite sua verdade (ao próximo)

Até que sejamos todos nus de verdade.


quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Geografia da inocência








Espírito Santo é um lugar rico, com praias ao sul e ao norte, com montanhas ao sul e outras ao norte, com reservas de petróleo e vasto litoral ensolarado. Suas praias ao norte, geralmente mais barrentas, escondem a diversidade cultural e musical dos novos velhos tempos, à casaca mexe com o congo, enquanto se espera a moqueca, a puxada do mastro segue a ladeira.

Particularidades em cena dão vistas ao novo toque de glamour e aparência rock n roll, com a boutique aberta, suas colunas erguidas sobre Liverpool, com escala em Seattle e CBGB; sambando em cima de um esqui feito do pandeiro tupiniquim, esta é a cara e o som das vísceras capixaba. Naquela noite eu vi uma menina bonita, ela se transformou, ela não conseguiu se segurar, ela pagou pau para o subproduto deste lugar.

Sangrou e derramou sangue, perdeu a conduta ativa, viveu por você e não semeou a verdade, qual verdade, Espírito Santo? É... Eu sei amigo. Somos adultos. Ela tem o nome de uma flor, como tal, chegara ao tempo de murchar e colocar um coração de tecido no lugar.

sábado, 30 de novembro de 2013

Cãibra moral

Na intimidade, meu preto by Casuarina on Grooveshark






  Ao olhar o outro busco o reflexo do que eu de fato sou quero ser. Fechar os olhos 
ao que não me parece belo só me faz enxergar melhor a escuridão dentro em mim.
Silente, entanto, ouvisse o teu sorriso, e poderia em paz também sorrir calado.


  Goze, mas goze de mim  comigo... não, porra. Goze nada. Que goze eu, e que você se foda. Gozar o outro parece o mais correto, pra quem tanto já gozado foi. Porque o meu erro é deslize; o seu, incoerência. A minha vontade é desejo, a sua, subversão. Porque nada somos. Nada. Apenas um amontoado de egos querendo o mais valer - se. 
(Leia -se: mais valia). 



  Esse inferno que habito é cercado por toda sorte de enganos. Ninguém me enxerga como de fato sou, ai de mim! Talvez porque passem muito tempo a mirar - se no espelho. E ali o que veem? Cabeça. Tronco. Membros. Nada além de carne e vaidade, veem somente homens e veem apenas mulheres. Crianças tolas e cheias de birras. Falem mal mais! Falem de mim! Mas sobretudo me enxerguem. Me olhem de canto de olho, e vejam o sorriso plasmado e amarelo embriagado de tanta farra. No canto dos lábios, as rugas rijas de tanto forçar a alegria e a beleza de ser um eterno paspalho. De errar mais e mais. Desejar mais e mais. Até cair em exaustão. 
(Quanto riso! Quanta alegria)


  Referências batidas de porta em porta como testemunhas de um mundo que nunca deu certo. Que jamais dará. Nossos pais, outrora heróis, hoje são a imagem do ridículo. Nossos heróis, hoje nossos irmãos e irmãs, amanhã já de nada nos valem. O novo sempre vem, de novo e de novo. Um circo ciclo vicioso de palavras de ordem malditas e escritas e de uma dinâmica sempre maciçamente  vertical - não importa de onde ela venha. Tudo é sempre mais do mesmo. Lamento informar que nada há de mudar. A não ser pelos heróis, que ontem figuravam entre nossos algozes.


  É hoje o dia da alegria e dos chavões mais usados, da roupa mais curta e da liberdade que mais nos prende.  Aquela boca que tanto beijei é a  mesma que hoje me cospe. A vingança é um prato requintado servido pelas cantinas e bares do mundo novo, esgarçado folhetim que é a vida do homem na terra. Temperada num leve fio de ironia e enfeitada com folhas verdes de ideologias torpes de falsa libertação. É preciso derrubar o velho. É difícil crer que haja mais crueza que aquela já vista na guerra do cotidiano, mas de fato sempre há. Basta saber doer, saber bater, e sadismo encontra masoquismo. Eros consolado em Thanatos. Temo por nossos filhos, como faria um Cronos zelando por Réia. 

Embaixo de meu travesseiro guardo pesada artilharia, no lugar onde antes repousava minha consciência. Pois quem tem cu, tem medo.


sábado, 16 de novembro de 2013

De 1927 até o fim.

                                                    
                                                      " Fervor, tremor e outros souvenires"



O jeito solto não combina mais com ele, aquela ânsia de sempre colocar a escova perto da pasta soava como um TOC.  Quando estavam longe era foda, era o mesmo pavor que sentia em momentos de insegurança em um lugar estranho e barulhento. Por via das dúvidas, sempre colocará o celular em estado de alerta permanente, pois sabia que com o enviar de mensagens sua dor era amenizada, suas células respiravam; era como um analgésico potente, algo como morfina, ou aquela dose que deixa a boca dormente, com lábios caídos e insensíveis, pronto pra ser obturado.

A culpa que sentia era tamanha, que o homer (hombre) não conseguia mais grudar o ânus quieto em uma cadeira, a mesa de bar era como um câncer maligno que separava os seus pezinhos grudadinhos com de sua amada.

Como classe dominante, detentora dos meios de produção, esfinge da produção econômica, rica em proteína. Em seu (in)verso encontra-se o proletariado, pastoso, serviente. Culpado por escola e religião. Maltratado e submisso, no entanto, imensamente criativo e multicultural. 
No conluio desta tendência, pega carona a incoerência coexistente de viver e sobreviver, vivendo o sol, convivendo por essas chuvas, transmutando, perdurando, irritando, destruindo e construindo tudo de novo.
 

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Baladinha








''Minha vingança será um sorriso carimbado na face e o éter a me escorrer das mãos''



  - Jura que já houve quem experimentasse tudo isso e ainda assim abrisse mão? Digo, se hoje estás aqui é porque alguém desistiu... ou você se cansou... afinal... – é quando batem a porta para interromper o idílio que é o infinito preguiçoso de uma tarde quente  de segunda.
   
  Era o vizinho, como sempre, incomodado. Curioso. Pouca coisas  há capaz de incomodar um ser humano que um seu semelhante em estado de graça. Poucas coisas evocam mais a desgraça, é dizer. Um carro do ano. Uma mulata passista em mão alheia ou um gemido alto  o bastante para furar a privacidade das paredes  cotidianas.

  Ele, o vizinho, senhor honesto e trabalhador. Por vezes recebeu troco errado e com ele ficou. Quem pode culpa – ló? O homem que tem por predicados ser tão homem quanto todos os demais, nem mais nem menos nobre. Aquele que não fede e não cheira, não fuma nem nada. Senhor das virtudes normais do Mundo normal da natureza humana. Classe: Medíocre. Aura: Mediana.

  Ficaram os dois em silêncio e recolhidos  sob os lençóis úmidos de seu paraíso particular. Assim mesmo, como em um romance barato de banca entre jovens adultos que ainda não puderam romper a casca do adolescer. Tudo  silêncio e pieguice,  não fosse o arfar pesado das suas respirações ansiosas. O vizinho batendo, batendo e bufando, até cansar. Não dava trégua em suas reclamações pequenas e egoístas. “O barulho vai muito alto, vizinho!” se recebiam amigos para uma conversa simples. “Preciso dormir, ora essa!” se havia música para animar o encontro. ”Vocês fumam demais! Que cheiros  são esses?” e por aí em diante, ou seja, não se pode mais jantar. Não se pode ter amigos, ser feliz  é  crime agora?
Foi embora e não ouviu o riso abafado entre brincadeiras e travesseiros. Amor assim, de cama, mesa e banho. Ah! E álcool, claro. Que ninguém é de ferro. E somos tão jovens...

  A noite chega apontando planetas e estrelas ou o que mais que brilhe na seda escura do céu.  Estão cansados de nada, felizes por tudo e convictos: Ele é só dele. Ela não é de ninguém.

  -  Pede você, você sabe que eu não gosto de falar ao telefone.
  -  Pede o de sempre.
  -  Vem logo pra cá. Eu bem poderia te usar agora. Sabe, desde que eu me apaixonei por... 
  -  Cala essa boca, cara. Sente meu amor?  
  -  Que sorte a minha te conhecer! Meu bebê!

  Mais voltas, corcoveios. Cavalo e entidade, peão e rainha. Buddys. Um dia, porém, os enjoos. O suor incomoda, a emoção que acabou, o “liga você, olha a frescura”.  Por fim as retas paralelas, os “olhos nos olhos” e o “passar bem”. O anacrônico sentimento da traição que não houve.

  Se encontrarão ainda nas noites, nos bares. Dois estranhos caminhando na turma de rostos conhecidos. Nada houve, parece. Não foi nada, já passou. Ah! Essa juventude transviada! Os encontros furtivos e os amantes passageiros. E no fim, como diz o outro: “Um enfarto. Ou pior,  o psiquiatra”


(I do. I do )