quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Arena


O telefone toca.

O telefone toca outra vez.

O empedernir não é proposital. É uma coisa que veio empírica, sabe? Algo que petrifica por desgaste, na distância que esconde o gesto. Algoz de uma esperança torrada pelo sol. Atender está fora de questão.

Da janela eu vejo a rotineira ambulância na porta do asilo vizinho; mensagem de um tempo que arrebata.

Por falar em tempo, ele me pegou. Me vejo mais velho pelo espelho. Parece que tomei um "pileque homérico" nos anos passados, parece que todo o mundo tomou.

Por onde estive todo esse tempo?

Porventura vivendo de sonhos, alimentado por sândices e portentos. - me diriam

No reflexo, o sol me cabe todo nos olhos. Cerro-os para evitar as retinas queimadas; e continuo assim por um bom tempo. Até que o telefone toca mais uma vez. E eu, no susto, abro os olhos, num mundo todo meio azul, veias saltantes, me lembro do que acordara comigo mesmo: Não atender.

Pedra. Mas meu telhado é de palha. Só que eu não quero suas palavras frias na minha orelha quente ao telefone.

O que aconteceu não foi natural. Escolhas não são naturais. É que foi se perdendo os detalhes. O comodismo foi aprisionando-os um a um.

Droga! sempre detestei atender telefonemas. Um medo velado em timidez, talvez. Mas este, este em especial, este que toca agora, me bate como um sofista sem discurso. É como dizer ser "poética a presença do homem no mundo". É como é: patentemente amarga, contraditória.

Quarta vez... atendo.

Na boca a sinestesia do gosto cinza do nosso último beijo, me impedindo de despejar as palavras no bucal do aparelho nesse dia tão ensolaradamente paradoxal.

A princípio só ouço o silêncio - engraçado, né? ouvir o silêncio - logo após, a respiração ao fundo. Meu mundo cai por terra no mesmo momento. É como gostar das várias versões de uma mesma música; gosta porque é ela.

Um alô, de anteparo, me vem.

Eu te amo! - Nada mais assolador do que o que você não espera. É como estar em uma arena de gladiadores com apenas um pedaço de pão nas mãos.

Eu também, vem pra cá!?

Não posso, não consigo! - e ela desliga

E de súbito, irrompe o som do remate - o de ocupado, sabe? tu tu tu - uníssono com as cornetas do fim da minha batalha pessoal e com o meu coração. Mais literal que o que vos escrevo.

4 comentários:

Arruda disse...

Mais foda e desconecertante que isso...meu caro, essa é de amargar.
Foda.

Anônimo disse...

De amarguras frias e tristezas quentes, seguem os textos.

De paranóias risonhas e rimas nem tão bem construídas, seguem os amores.

Sensacional, Vitinho.

Lilla Mattos disse...

Mais um soco no meu estomago.. só isso

Uriel disse...

Nada como uma boa dose de veneno sindical (Sim, é assim que elas se organizam!). Abraços!