domingo, 26 de janeiro de 2014

A Morte de Votric Sunen - Capítulo 2


(A Morte de Votric Sunen - Capítulo 1? Aqui)

Votric, ainda perplexo pelo que acaba de acontecer, agradecendo o fortuito destino daquela bala, calcula a trajetória do projétil numa velocidade incrível - talento adquirido na academia - e consegue ver uma misteriosa silhueta - dada a posição do sol, não mais que isso - numa janela de um apartamento defronte ao prédio onde por pouco morre, não fosse a água em seu ouvido.

O presto Votric se pôs a perseguir aquela ameaça enigmática subindo as escadas do prédio na expectativa de ir de encontro ao atirador. No meio do caminho o ex-investigador sentiu a idade e começa a diminuir a velocidade, arquejando, em busca de um ar que parecia não estar ali. Frustrado e fadigado, chega ao andar onde viu a criatura. Saca seu revólver com as mãos trêmulas - resquícios ainda dos lances de escadas - e arromba a porta com o pé.

A sala, ou melhor, o loft onde Sunen se vê é um tanto quanto mórbido: uma luz vermelha bem fraca, as paredes negras cheias de recortes de jornais e fotos que pela pouca iluminação não conseguiu ver ao certo sobre o que eram. Havia também uns equipamentos de musculação, um saco de pancadas que parecia ter sido usado de forma contumaz, uma cama bem rústica, sem lençóis ou travesseiros, e um telefone. Votric levou três segundos para perceber todos os elementos da cena. E três segundos foi o exato tempo que levou para um homem se postar atrás dele. O ex-investigador sentiu apenas o cano em sua nuca da arma ainda morna do tiro que cuspiu agora pouco:

- Largue sua arma! - disse o homem em tom calmo, mas um tanto quanto intimidador.

- Calma, estou largando! - disse Votric, deixando o seu .38 no chão, percebendo a seriedade da situação.

- Vire-se, devagar!

Votric, virando-se lentamente, foi dando forma àquela silhueta de outrora que tentou lhe privar da vida. Era um jovem robusto, de cabeça raspada, com os olhos cheios de ódio, mas misteriosamente familiares para o nosso protagonista.

- Você finalmente morrerá por tudo o que fez, seu desgraçado! - as palavras do rapaz entraram nos ouvidos de Sunen como um alarme ativando o agente adormecido dentro de si. Votric, em tal caso, tinha duas opções, tendo em vista que se atracar com aquele homenzarrão não resultaria em nada que não fosse sua morte:

A primeira era a técnica da "Retaguarda Invisível". Uma estratégia com 50% de êxito. A tática se resume em olhar para detrás do seu agressor como se alguém realmente estivesse ali e gritar "Atira nele logo!" ou qualquer outro comando desses de atacar. Isso faria com que o inimigo se virasse para se certificar dessa possível existência salvadora, possibilitando uma investida sem tempo de um contra-ataque. Mas o ex-investigador não creditou essa alternativa, pois viu nos olhos do rapaz a obstinação e sabia que ele não acreditaria naquilo.

Então, apelou para a segunda opção, a psicológica, a "Bandido da Mamãe". Uma técnica com 80% de êxito quando usada nas condições certas. Consiste em gritar uma ordem com uma voz mais aguda, fazendo com que o agressor remeta por memória sonora aos seus tempos de infância onde uma matriarca rígida - seja a mãe, avó ou seja uma freira num orfanato - castigava o mesmo por ser uma criança teimosa. Gerando assim uma reação involuntária de parar o que se está fazendo instantaneamente. Uma técnica aprendida nas aulas de combate freudiano no seu tempo de investigador:

- Pare já com isso, moleque! - foi o que Votric gritou, quase que sem esperanças por nunca ter usado em campo tal tática. Mas, de repente, como que por milagre, como se o jovem tivesse tomado um choque elétrico, a arma escapa de seus dedos indo parar no chão.  Sunen sempre achou Freud um compulsivo sexual em suas aulas de psicanálise na faculdade. Mas a partir daquele momento era seu novo deus, aquele psicanalista tarado. "Masturbar-me-ei quando chegar em casa como prece", pensou. Aproveitando o ensejo, Sunen pega sua arma de volta se jogando ao chão, e dali mesmo dispara contra o "bandido da mamãe", atingindo seu peito, causando uma morte quase instantânea. Ele não queria fazer aquilo, mas não via outra alternativa.

Como investigador que sempre foi, começou então a investigar a sala à procura de pistas que o levassem ao seu arqui-inimigo Nolen Danrami. Já não sentia remorso por matar, por consequência do número de vezes que isso se repetiu. Percebeu que as fotos e os recortes de jornais eram todos relacionados à Nolen, ele próprio e ao evento que gerou a morte de Kasmen Lasvi, sua falecida esposa. Ainda atônito, enquanto tentava juntar tudo isso em sua cabeça, repentinamente o telefone naquele apartamento tenebroso tocou. E Votric atende:

- Quem é?

- Ora ora! Se é você quem está atendendo, então devo presumir que o homem que morava aí esteja morto, certo? - Votric Sunen sabia muito bem de quem era aquela voz. A voz que ele estava procurando ouvir: Nolan Danrami.

- Sim, ele está morto! Sua tentativa de me matar falhou, Nolen! E era tudo mentira sobre as bombas, não era?

- Hehe! Eu tinha de chamar a sua atenção de alguma forma. E quem disse que eu queria te matar, meu caro Votric? Este é o meu presente de Natal para ti. Você está exatamente onde e como eu queria que estivesse. A lei do homem mais uma vez se fez valer, dando prova de que estou certo em dizer que não estamos no topo de nada. Somos animais tentando se equilibrar em duas pernas e pensar. Mas não pensamos, Votric. Nos fazemos dos mesmos instintos de sobrevivência como qualquer outro animal. Mas é pior, pois regemos isso com voz e violência intencional e gratuita. Tudo isso para nos mantermos vivos, Votric! Estamos olhando para os reis em nossos umbigos e não percebendo que seremos rês de algo maior que virá...

- Deixa de falácia, Nolan! - interrompe o ex-investigador - Eu estou farto dessa tua filosofia barata de ímpio perante a humani...

- E se eu te disser uma coisa que fará você mudar as suas convicções, Sunen? - dessa vez quem interrompe é Nolen Danrami - Se eu te disser uma coisa que fará com que você finalmente concorde comigo?

- Não acredito que isso possa ser possível, Nolen!

- Mesmo se eu te disser que você acabou de matar o teu próprio filho?

(Continua...)

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